sexta-feira, 29 de julho de 2011

O SACRILÉGIO

Bartolomé Colombo, irmão e lugar-tenente de Cristóvão, assiste ao incêndio de carne humana.
Seis homens estréiam o queimadouro do Haiti. A fumaça faz tossir. Os seis estão ardendo por castigo e vingança: afundaram na terra as imagens de Cristo e da Virgem que o frei Ramón Pane tinha deixado para sua proteção e consolo. Frei Ramón tinha ensinado a orar de joelhos, a dizer Ave-Maria e Paternoster e a invocar o nome de Jesus ante a tentação, as feridas e a morte.
Ninguém perguntou aos seis por que enterraram as imagens. Eles esperavam que os novos deuses fecundassem os plantios de milho, mandioca, batatas e feijão.
O fogo junta calor ao calor úmido, pegajoso, anunciador de chuva forte. [1]

Como todo ser, possuo convicções. Algumas mais flexíveis que outras. Outras menos importantes. E algumas poucas, essenciais. Das quais não aceito abrir mão.
Afinal, é nela, essência de indecifrável e múltipla origem (que quase ao infinito chega) que me reconheço. Como pessoa. Como humana. Como alma.

E por honestamente crer na legitimidade da minha própria essência, torna-se inabalável a minha convicção de que todos nós possuímos o espaço insondável do que, para cada um, mora no imutável. Espaços não necessariamente similares. Mas necessariamente legítimos.

E ao observar tantos processos históricos cruéis (que quase ao infinito chegam), parte da minha essência se desfaz. Machucada. Não importa se o tempo ou o espaço está próximo ou muito distante da minha própria existência. Existe sangue de alma. E lágrima de dor.

No dia em que apenas o caminhar existir, há de nascer compreensão. [Juliana]




[1] (Trecho e título tirados do livro Memória do Fogo, Volume 1 – Os Nascimentos, de Eduardo Galeano, pág. 76).

Um comentário:

  1. Por saber das suas convicções e sensibilidade tenho um pedido: seja forte. Graças aos céus selecionamos as pessoas com quem convivemos. Mas, como nada deve ser muito perfeito, precisamos passar por algumas situações muito estranhas! Lembra do Sr. Guimarães Rosa? “O que a vida quer da gente é coragem.” E, minha querida Diadorim, felizmente, coragem é o que não nos falta. Bj. J.

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