quinta-feira, 21 de julho de 2011

A ARTISTA

"R$7.000,00, minha querida. Esta noivinha tem mais ou menos uns sententa centímetros, é toda em cerâmica e vem diretamente do Vale do Jequitinhonha", me disse a vendedora de uma das charmosas lojinhas de arte que ficam no Quadrado de Trancoso, Bahia, onde passei com minha família a última virada de ano. Tive que me segurar para não cair de costas!

Eu e Bê já tínhamos pensado em levar conosco, junto com as memórias, as amizades, as histórias e as fotografias dessas nossas andanças, uma pequena peça do artesanato de cada lugar, o que incluía, obviamente, o nosso querido Jequitinhonha. Mas bem que a Lívia me disse! Todas aquelas namoradeiras e noivinhas de cerâmica que eu havia visto no Sobradão de Minas Novas custavam pelo menos 3 vezes mais no Mãos de Minas de BH e de 7 a 10 vezes mais nas galerias de arte de São Paulo ou do resto do país. Uma outra dica preciosa da Lívia: uma das melhores artistas do Vale, muito conhecida no estado e bastante procurada por galerias do país e do exterior por causa da beleza de suas peças (recentemente, uma galeria portuguesa havia lhe encomendado uma cena completa de casamento em cerâmica, com direito a tudo: noiva, noivo, padre, padrinhos, damas, pajens e até convidados!), a Dona Zezinha, morava a apenas 30 minutos de carro da nossa casa.

Foi assim que, chegando da viagem de fim de ano, decidi que nossa visita à comunidade de Campo Buriti, onde vive a artista, não podia mais esperar. Tive ainda mais certeza disso quando vi Michele Obama escolher como "a" lembrança de sua visita ao Brasil, entre dezenas de peças do artesanato nacional expostas em Brasília, uma noivinha do Jequitinhonha. Não que eu seja muito afeta aos gostos da primeira-dama do tio Sam... Mas desta vez ela acertou, e, por causa dela, as noivas certamente iriam se inflacionar. Eu, que muito antes dela já tinha escolhido as noivinhas como lembrança da nossa passagem pelo Vale, não podia correr esse risco.

Lívia não soube me dizer como chegar, mas me deu o telefone da Cláudia, assistente social de MN, que conhece tudo por ali na palma de sua mão. Com a ajuda de referências como "segue a estrada toda vida", "vire depois do bar do Pirula", "passe pelo meio da estrada de eucaliptos", acabamos chegando à comunidade rural de Campo Buriti. Diferente de qualquer visita anterior a museu ou galeria de arte, em que os artistas estão distantes, quando não partiram desta pra uma melhor, desta vez eu estava me embrenhando no meio do mato para visitar uma artista local, seu ateliê, vê-la trabalhando e escolher uma peça que ia ser feita sob encomenda, o que me animou como nunca! Fora isso, era um sábado de manhã muito azul, e a beleza da paisagem já tinha valido a visita. Matas de eucaliptos na estrada, casebres coloridos com pomares exuberantes na comunidade e um vale de rocinhas eximiamente cuidadas na descida de 5 minutos da comunidade até o sitiozinho de Dona Zezinha.


Paraíso das Artes, era o que dizia a placa de boas vindas. "Acho que chegamos. Deve ser aqui". Descemos do carro. Já na entrada do sitiozinho ficamos maravilhados com a arte de Dona Zezinha. Enfeitavam a cerca de arame farpado, os troncos das árvores e os espaços de grama vários rostos e bichos coloridos de cerâmica, cheios de uma vida que eu nunca tinha visto antes nesse tipo de material. Todos eles com curvas salientes de pálpebra, de bochecha, cores e tamanhos reais, como atores vivos em um cenário, e com feições, comunicando-se conosco.


Ulisses, o marido da artista, foi quem veio nos receber. Levou-nos por um caminho cuidadosamente plantado de flores e frutas e ornado com peças de cerâmica, que serpenteia três casas. A primeira, pequena e recém-construída, hospeda visitantes. A segunda, maiorzinha e mais recuada, é a do casal. A cozinha aberta para o jardim, como descobriríamos ao final, nos acolheria com biscoitos, doces e suco de frutas da estação colhidas ali mesmo. A terceira, uma casinha muito simples, que provavelmente foi a primeira do casal, eles transformaram em ateliê, com o grande forno branco ao lado, pra queimar as peças.

Foi no fim desse caminho, numa pia de ardósia entre o forno e o casebre, que encontramos a artista, moldando barro. Tímida, ela nos soltou um sorriso, e seu Ulisses nos encaminhou para dentro dos cômodos para vermos as bonecas. Pequenas, médias, grandes, todos os tipos de cabelos, feições, vestidos, bordados e cores. Elas eram muito mais lindas do que pensávamos!


Encomendei a nossa com cuidado, acertando tudo com seu Ulisses. Depois saí para conversar com Dona Zezinha e descobrir um pouco mais da história da artista. Com uma voz mansa, meio acanhada, ela foi me contando. A bola de barro cinza molhado que tinha nas mãos eram os pés de uma boneca que ela estava começando a criar. Começou a pegar e preparar o barro ainda menina. A mãe sabia fazer tigela, gamela, garrafa, galinha, moça, e ela gostava de ajudar. Depois continuou a fazer por necessidade de trabalhar. Como não tinha estudo, mexer com artesanato de barro ajudava no sustento. E com isso acabou descobrindo que tinha o dom. Agora ensina o ofício à filha mais nova. Sobre as bonecas, elas são todas de barro, desde a forma até as cores. Branco, vermelho, amarelo, laranja, rosa, lilás, marrom... Todas essas cores estão na terra da região, que ela e outras artesãs sabem bem onde buscar.


Pra dar cria a toda essa arte, Dona Zezinha trabalhou muitos e muitos anos. Trabalha muito até hoje, todos os dias, das sete às quatro. No fim de semana não trabalha, que é para ir à missa, cozinhar pra família e tirar do seu forno tabuleiros de biscoito polvilho e rosquinhas doces (deliciosos por sinal!). Também tira férias no fim do ano, pra poder descansar e conversar mais tempo com as vizinhas. Perguntei a ela se ficava imaginando que tinha bonecas espalhadas por todo o mundo, umas em quartos de crianças, outras em escritórios, em galerias, em países de neve, em países de deserto... Soltando um sorriso discreto, ela me disse com toda simplicidade que não pensava nisso não. "Penso nas bonecas até elas ficarem prontas. No mais, é isso aqui", apontando para o sitiozinho. Perguntei, por fim, de onde ela tirava a sua inspiração. "Faço como se fosse eu... Queria ter um rosto bonito assim... Os vestidos, os filhos, os bichos, faço tudo como se fosse pra mim...".

Já dentro do carro, quando saíamos daquele cantinho abençoado, percebi que fui comprar a noivinha de lembrança, mas voltei com muito mais, uma lição para a vida inteira. Dona Zezinha me mostrou, com as mulheres, os bichos e as flores de barro do seu quintal, que a arte é o exercício de deixar ainda mais bonito o pedaço de mundo que Deus nos dá. E me ensinou mais. O artista deve, sim, levar a arte para a sua própria vida (pra casa, pros biscoitos, pra família, pros amigos...). Mas sem perder com isso a simplicidade, que é sábia e mantém os pés no chão, o chão que faz da inspiração criação.


 [Poly Jeha]

4 comentários:

  1. ei poli! saudades! adorei o texto, achei as peças lindíssimas!!!! beijos, ju

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  2. Querida Poly
    adorei o registro!
    Passar aqueles momentos com voce e Dani no Paraiso das Artes foi muito especial!
    Boa sorte em S.J.Evangelista! Nao deixe de fazer um passeio pela escola agrotecnica, é muito bacana!
    Já estamos com saudades!
    Bjos,
    Livia Borba
    liviaborba@hotmail.com

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  3. Poly querida!
    Me senti no Paraíso das Artes!
    Tô adorando o blog e as publicações!
    Bjos da amiga Aninha.

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  4. Quantas vezes o Artista não faz a menor idéia de quanto seu Trabalho tem de valor e o tanto que esta Arte vai para o mundo e é cobiçada. Às vezes penso que aqueles que realmente ganham fortunas com a Obra alheia e que pouquíssimo repassam ao Artista, tem como interesse que o Artista seja um puro e de preferencia um ignorante para não participar do lucro vultoso que seu Artesanato atinge no mercado dos ricos. Quantos dos famosos morrem na pobreza...
    Beijos de Marta Cantalice.

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