quarta-feira, 26 de outubro de 2011

TODA MULHER QUER BEIJAR O CHICO (MENOS A MARIETA SEVERO)

    


Nos idos da década de 70, lá pelos meus 15 anos, nutri uma paixão platônica por um vizinho meu, irmão mais velho de uma amiga, já universitário, e por uma única razão: ele se parecia com o Chico Buarque. Ele, é lógico, nunca me deu a atenção que eu queria, mas meu coração batia forte quando o rapaz se dignava a conversar um pouquinho conosco, na verdade tentando fazer nossa cabeça para que trocássemos de ídolo: do John Travolta para Che Guevara.
Isso o fazia ainda mais parecido com o Chico, o que só aumentava meus suspiros não correspondidos. Naquela ocasião, devo confessar que o nosso ato mais heróico foi o de pixar o nome do Geraldo Vandré, com pedaços de tijolo, no muro do grupo escolar em frente da nossa casa; e ficar admirando nossa coragem, até que a chuva apagasse todos os rastros da tímida atitude revolucionária.
Procê ver de que é capaz o amor, mesmo o platônico (ou principalmente ele).
E, veja bem, meu amor platônico alcançava distâncias quilométricas, saía de Itabira e atingia o Rio de Janeiro, quiçá Itália ou outro lugar qualquer, para onde o Chico se auto-exilava, na época da ditadura. Foi o Chico quem moldou minhas primeiras opções políticas: e depois, por certo, embalou meus primeiros amores perdidos.
E eu havia me esquecido do Chico.
Na década de 80, quando iniciei a faculdade, não se falava do Chico. Nós gostávamos mesmo era do rock’n roll do Cazuza, Paralamas, Lobão, Renato Russo, Marina Lima, Titãs: rock urbano, geração coca-cola, pós-ditadura – a gente não queria só comida, a gente queria comida, diversão e arte. E não estava mais nem aí para caminhar e cantar e seguir a canção.
Isso até outro dia, quando, fazendo aula de Pilates, em minha constante luta contra a dor nas costas, eu escutei o Chico de novo. Estava tocando Construção.
Foi um revival de paixão. Ai. Afinal, eu não tinha esquecido o Chico. Ele voltou, com tudo, reavivado pelo canto da sereia. Ou seria do sereio?
Daí, fui logo perguntando pra minha professora, que tem apenas 29 aninhos, se ela gostava do Chico. E ela gostava. E de pergunta em pergunta, durante uma semana, a mulheres dos 20 aos 60, a resposta, com raras exceções, era sempre a mesma. Ai!!!!
É por isso que até a mãe do Lobão, que segundo ele era da Arena, amava o Chico. E aqui eu abro um parêntese para dizer pro Lobão que o Chico fazia canções subversivas sim, que embalaram toda uma geração de esquerda, mas para uma mulher, mesmo sendo a sua mãe, mesmo sendo da Arena, era impossível não amar o Chico.
E, como diz o Caetano, o Lobão tem razão. O Chico era (e é) o namoradinho do Brasil. Ao contrário do Lobão, que é o lobo mau que toda mulher quer conquistar, domesticar e transformar... no Chico.
E porque o Chico é o namoradinho do Brasil?
Não é porque ele é lindo, porque lindo ele não é. Ele é charmoso, encantador, mas lindos mesmo são Marlon Brando, Robert Redford, Paul Newman, Brad Pitt. O Chico é só bonitinho.
Seria então porque ele é um grande poeta? Acho que não. Há muitos outros, mas ninguém quer namorar com eles.
Será aquele jeito meio gago de se expressar, cercado de incertezas, que o torna pouco falante? Ou serão seus tristes olhos azuis? Deep blue eyes, como os de Carolina, canção na qual, diga-se de passagem, o Lobão não é muito chegado.
Não se pode negar que há também nele uma certa nobreza, é só nos lembrarmos do seu nome, Francisco Buarque de Hollanda, o que talvez nos remeta a um cavalheirismo que a gente já não viveu, mas do qual sente saudades atávicas.
Eu acho que o que acontece é que o Chico é uma soma feliz de tudo isso: é bonitinho, é um grande poeta (embora ele ache que não, o que o deixa ainda mais bonitinho), tem olhos azuis (ou verdes?), é tímido, meio gago, indeciso, mas definitivo quando compõe. Absolutamente certeiro. Que o diga a música Construção.
E, mais importante, é só isso o que sabemos dele. Porque nenhuma mulher conhece o Chico. Ele é uma fantasia que pertence ao imaginário feminino, é mito. O Chico real, ex da Marieta Severo, ninguém conhece, além dela. E talvez por isso mesmo ela seja uma das poucas mulheres que não quer beijar o Chico.
Mas o mito, todas nós queremos. Aquele homem bacana, poeta, charmoso, inteligente, que quer levar a moça pra casa, que perde a noção da hora, que não tinha nascido no tempo da maldade, que planeja uma caçada boa pro caçador e pra caça e que, finalmente, quer nos levar, encantado, pro tempo de delicadeza, esse é o nosso homem ideal e impossível.
Mas que podemos levar pra debaixo dos nossos lençóis em época de fantasia escassa. [Marina Procópio]

domingo, 16 de outubro de 2011

SURPRESA


Há poucos dias fui madrinha de um casamento em que o padre falou de SURPRESA. Com uma certa poesia mas sem muitas delongas, pediu aos noivos, basicamente, que se deixassem surpreender. Que não deixassem o dia-a-dia cegar-lhes para as mudanças e o inusitado do companheiro. O apelo simples, direto e cheio de sabedoria não me saiu da cabeça. E depois dizem que os padres não têm mais nada a dizer... Digerindo, eu fui esmiuçar o sentido da palavra. E tal foi a minha surpresa:

- na etimologia, surpresa vem do francês surprendre, de sur, “sobre”, mais prendre, “pegar, prender”, que vem do latim, prehendere, “agarrar, prender, pegar à força”. Enfim, pela etimologia, surpresa é o que prende, o que pega por cima.
- no dicionário, surpresa é sinônimo de admiração, espanto.
- na filosofia, Platão e Aristóteles já falavam que esta nossa marca ou condição humana de refletir sobre nós mesmos e o que está à nossa volta, o filosofar, vem justamente do espanto e da admiração, logo da surpresa.

A surpresa não é exatamente isso? Uma festa surpresa, a frase inesperada de um filho, uma ajuda gratuita, uma lua estonteante, o presente de um amigo, a reviravolta do fim de uma história, um olhar diferente para o trivial... Algo que tira do chão e arrebata, pega à força, prende por sobre a gente, puxa por cima, tira do chão e eleva? E que, por tudo isso, nos dá a sensação de estarmos mais vivos? Sim, mais vivos... Deixar-se surpreender pelo outro ser humano ou pela vida, agora entendo melhor o apelo do padre, é reestabelecer os elos. É renovar a alma. É se permitir viver. Não ser zumbi. Não se deixar morrer.

[Poly Jeha]

IDEIA

Algo mais forte que uma boa ideia? Difícil encontrar. Talvez só uma boa ação. Pois é. Ação continua com til, mas desde a reforma ortográfica de 2008 a ideia perdeu o acento. Já imaginou o universo na mente do Criador? “Idéia” mais maravilhosa impossível, não é? Mas a “idéia” perdeu a beleza: virou ideia. Já imaginou Platão sem as “idéias”? Pois agora lá está ele, solitário, pobre coitado. Seu mundo perdeu o encanto, perdeu as “idéias”. Se a morte das "idéias" mexeu com gente do naipe do Criador ou de Platão, imaginem em mim o que causou! Eu, que gosto tanto das palavras, agora fiquei órfã de uma das minhas palavras preferidas. Eu, uma reles mortal, que me escorava nas "idéias" pra subir um pouco mais do que o corpo alcança, agora caí, despenquei do agudo que me levava para o alto. A “idéia” se foi. Pra não mais voltar. Na verdade, foi mandada embora, despedida de séculos de trabalho árduo, sem nenhum reconhecimento pelos maravilhosos préstimos, pela iluminação prestada. Gente mais impiedosa esta.

[Poly Jeha]

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

PODER E JUSTIÇA?

Themis a deusa da justiça
Themis a de vendas nos olhos
Themis a justiça cega
 
Poder que corrompe:
"Bandidos de togas"?
Poder desmedido:
Desvios de conduta?
Controle impedido:
Corporativismo?
Poder que cega:
Nepotismo?
Poder que destempera:
Impunidade?

Meritíssimos os deuses da justiça
Meritíssimos os de vendas nos olhos
Meritíssimos temidos e supremos
Meritíssimos a justiça é mesmo cega?

domingo, 2 de outubro de 2011

CONTOS DE FADAS

Era uma vez...
Três porquinhos irmãos...


Um livro de bordas onduladas onde a folha do meio, em que o lobo cozinhava o carneirinho, foi arrancada por uma mãe sensível, cuja filha chorava sempre que chegava naquela página...
Uma menina que adorava ouvir estórias. Mas ruminava:
Como era possível?
Pais abandonarem as próprias filhas com tão terríveis madrastas?
Príncipes nunca fazerem nada e serem sempre heróis nos finais?
E a desproporcionalidade em se entregar uma filha para ser presa em uma torre ou dormir eternamente por que... seus pais roubaram nabos da bruxa vizinha para não morrerem de fome ou esqueceram de convidar uma única fada para uma festa boba?
Qual pai seria tão influenciável que a sugestão da esposa em abandonar os filhos do seu primeiro casamento na floresta, com a justificativa de que não tinham o que comer, seria aceita?
Qual mãe mandaria a filha sozinha levar doces para a avó, sabendo que havia um lobo solto na floresta?
O velho, o menino e o burro? Coitados dos três! Haveria solução para aquela encruzilhada?
E a moura que, não bastasse ser torta, ainda foi castigada? Aliás, o que viria a ser uma moura?
Que justificativas todas tênues eram aquelas para conseqüências tão graves? E quanta condescendência com tamanhas barbaridades! Ninguém fazia nada?
Cismando, a menina cresceu.
E soube que a certeza absoluta que sentia, ao ouvir ou ler aquelas estórias, de que seu pai e sua mãe jamais a entregariam para uma bruxa sem lutar ou a abandonariam na floresta para morrer de fome forjou a sua grande experiência em amor incondicional.
E foi a maior razão para que tenha sido tão feliz.