segunda-feira, 31 de maio de 2010

ORAÇÃO

                                                                        
Ave Maria cheia de graça, senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto de vosso ventre, Jesus, Santa Maria mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte, Amém. Minha nossa senhora, me ajude, eu acho que tô pirando, tô bem próxima da piração, meus dentes tão trincados, meu estômago tá doendo, tá tudo preso aqui dentro, nada sai e ainda mais esse computador não tem ponto de interrogação, vai sem ponto de interrogação mesmo, é tudo com ponto de interrogação.
Que que eu faço, minha nossa senhora. Tenho medo da vida, não aceito a morte, não acredito em deus, que que eu tô fazendo neste mundo, vendo tudo nascer e morrer, eu não agüento isso, que espetáculo grotesco, minha nossa senhora. Quero um remédio bem forte, quero uma anestesia, mas ninguém tem, ninguém inventou, ninguém me dá, tenho que sentir dor nas costas, dor no estômago, dor na alma, quero um remédio para sarar, mas nunca sara, nenhuma dor nunca sara, não tem conhecimento no mundo que me livre disso, pra que tanta evolução se eu permaneço no meu quarto escuro e tenho medo, medo, medo.... De morrer, de adoecer, de ser assaltada, do escuro, de bicho, dos outros, do errado, do certo, da dor da perda, do sofrimento alheio, da impotência, medo de avião, tudo é igual a medo de avião, medo da velhice, medo da menopausa, minha nossa senhora, ninguém nunca tinha me dito que entrar na menopausa era tão difícil, que ver seus pais envelhecendo era tão difícil, que idade difícil, a meia idade, será que só piora, além dos medos da juventude, que continuam, vem esses novos, inexoráveis, tudo tá envelhecendo, tudo tá morrendo, o novo já chegou e tá te derrubando e o pior é que eu não aprendi nada, não sou uma senhora sábia, não sou forte, não resolvi nada, continuo assistindo Bambi e chorando, meu medo vai só aumentando, tô num emaranhado de equações matemáticas que eu nunca soube resolver, deve ser por isso que eu sempre fui um zero à esquerda na matemática, quem aguenta chegar até os 80 sem enlouquecer (INTERROGAÇÃO).
E agora esse medo de endoidecer, esse eu nunca tive, é a primeira vez, também não tem remédio, a única coisa que te dão é remédio pra dormir, eletrochoque também existe e é muito usado, meu deus, como é que faz pra agüentar isso e continuar vivendo, minhas costas doem o dia inteiro, já fiz 500.000 tratamentos e nada, cada dia dói mais, a única coisa que melhora é dorflex, mioflex, etc, mas só melhora um dia, tem que tomar todo dia, mas não pode, fode seu estomago, e aí você fica preso entre duas dores, pra não falar das outras, sentindo um pouco de cada uma pra não sentir muito de uma só.
Olcadil melhora, pode tomar Olcadil todo dia (interrogação). Não pode, traz problemas pra memória, mas que que tem, foda-se a memória, memória pra que, não preciso mais de memória, não vou guardar nada mesmo, quando eu morrer vai tudo junto comigo, o cérebro e suas memórias, verme mesmo é que deve ser inteligente, comendo tanta memória todo dia, coitados, também devem sofrer muito quando descobrem, por meio da memória alheia, que são vermes, que não duram nada, que são igual a gente ou gente é igual a verme? Achei o ponto de interrogação.
Eu queria tanto parar de pensar tanto. E não é pensar nada importante não, são coisas pouquinhas, mas que ficam dentro da cabeça, Tum, Tum, Tum, Tum, Tum. Tem que trocar as janelas, tem que consertar a porta do galinheiro, tem que levar mãe no médico, tem que levar o cachorro no veterinário, tem que encontrar com o amigo, tem que terminar a terapia, tem que falar com o chefe que eu não quero mais trabalhar deste jeito, tem que fazer almoço, tem que tirar a umidade do mundo, tenho que nascer na próxima encarnação sem alergia, sem dor, com um sono inquebrantável, com os peitos bem pequenos, com uma estrutura muscular de dar inveja em qualquer atleta, sem ser corcunda, sem ter os joelhos valgos, as escápulas sei lá como, a coluna dorsal sem lordose, ficar bem na fotografia de perfil, com tudo no lugar, meu cachorro enxergando e o outro morrendo com 70 anos, já enjoado de tanto viver, indo embora sem dor alguma.
Tem um universo paralelo, a gente veio mesmo do macaco? Seria melhor era vir mesmo de Deus, e acreditar em você, minha nossa senhora. Um conhecido disse que não veio do macaco, esse bicho fedorento. Nem eu, quero vir mesmo é de um Deus cheiroso e voltar pra ele, Deus por favor, exista, nossa senhora, por favor! Pra que que o homem inventou Deus? Por que que Deus não inventou o homem?
Quanto mais consciência pior, bom mesmo era nascer na Idade Média, não duvidar da existência de Deus, vamos queimar todos os hereges, todas as bruxas, todos os incrédulos. Deus existe e ponto final.
A ciência é uma merda. Só serviu mesmo pra inventar a anestesia, que é a coisa mais maravilhosa do mundo, isso não dá pra deixar de falar. Ainda bem que quando em nasci já tinham inventado a anestesia. De resto, a ciência é uma verdadeira merda. Pra que saber que eu tô aqui, um nada dentro de outro nada, dentro de outro nada, dentro de outro nada, vamos meu amor, pra um universo em que a gente não pense, um universo paralelo.
Eu tenho muitos limites. Nasci com as asas quebradas. Não consigo alçar vôo. Funcionária pública.
No avião, não posso fazer nada. "Srs. Passageiros, interrompemos o procedimento de aterrissagem em decorrência de uma forte chuva na cabeceira da pista.Vamos ficar sobrevoando até que o tempo melhore." Ai, e eu sou o passageiro, e vou ficar sobrevoando até que a chuva melhore, só que a chuva não melhora... nunca...
Atenção senhora passageira, seu cachorro tem uma doença incurável, seu pai tem uma doença incurável, sua mãe tem uma doença incurável, sua irmã tem uma doença incurável, seu pintinho tem uma doença incurável, seu amigo tem uma doença incurável, seu marido tem uma doença incurável e todos, todos vão sofrer e você não vai poder fazer nada, só olhar, nada além de olhar. Atenção, senhora passageira, você também tem uma doença incurável, e muito embora você continue sem poder fazer nada, dessa vez, finalmente, o avião vai cair.
Ai! Ave Maria!  ROGAI POR NÓS PECADORES AGORA. E na hora de nossa morte. Amém. [Marina Procópio]



terça-feira, 25 de maio de 2010

OS HOMEOPATAS QUE ME PERDOEM, MAS ALOPATIA É FUNDAMENTAL!


Nunca me convenceu esta história de que o remédio é pior que a doença. Ao contrário. Sem eles, os inúmeros remedinhos alopáticos que já tomei e ainda vou tomar na vida, eu não estaria aqui hoje, vivinha, respirando perfeitamente e sem coriza, lúcida e calma para compor esta ode sem métrica:


ODE À ALOPATIA

Para bronquite, Seretide.
Pro seu nariz, Avamys.

Se é insônia, Rivotril.
Tá ansioso, olha o Olcadil.
Enjôo vai bem com Plasil.

Dói a cabeça? Melhoral.
São só gases? Luftal.

Pressão infiel? Tome Aprovel.

Precisou de cirurgia? Inventaram a anestesia.
E quem diria, tem remédio até para esquizofrenia: acetato de zuclopentixol.
Mas se desse aparente estrago resultar dor de estômago: tome esomeprazol.

No combate à inflamação: nimesulida.
Só não resolve dor nas costas, pro que não inventaram saída.
Pelo menos tem Lexapro, pra você não ficar deprimida.

Mas para a morte, essa mofina, escolha sempre morfina.

[Marina Procópio]


domingo, 16 de maio de 2010

E O DIREITO NOS UNIU!


Sou, dos quatro retalhos, o menos dado às letras! Mas, tão bem acompanhada, não resisti: Hoje me atrevo e abandono o pensamento inicial de cuidar apenas da criação e manutenção deste blog. A partir de agora passo a me arriscar também na arte de escrever!
Pensando em por onde começar esta ousada tarefa, num lampejo, me dei conta de que é preciso registrar uma constatação que me fez rir: O Direito, que em nada me encanta, propiciou o mais mágico dos encontros. Foi no vai-e-vem do (me desculpem seus amantes) enfadonho “mundo jurídico”, que nós quatro, mulheres, graduadas em Direito e funcionárias públicas nos tornamos amigas. E, a exemplo de outros quatrilhos já famosos - os mosqueteiros, as fases da lua, os pontos cardeais, as estações do ano, as folhas do trevo, os heróis super-fantásticos - nós, também, nos completamos perfeitamente.
A tensão da nossa rotina de muito trabalho, em meio a pilhas de processos, jurisprudências, doutrinas, decisões, justiças e injustiças é suavizada por momentos únicos, baseados nas mais divertidas divagações! Respeito, sinceridade, cuidado e muito humor é o que nos une.
Pensando ser egoísmo não partilhar algo tão especial com as pessoas que nos são queridas apresentamos nossa colcha.  Ela vai sendo criada por nossas percepções, experiências, indignações, indagações e desabafos. Às vezes bem tecida. Outras, nem tanto. Justificável. A vida não facilita sempre. Importante é fazer parte deste encontro.
Sejam bem-vindos, que novos retalhos sejam costurados e que esta seja uma deliciosa experiência para todos nós! [J.]

quarta-feira, 12 de maio de 2010

PROSA E AMIZADE: COSTURANDO OS RETALHOS


No que me cabe, inauguro este blog com uma prosa que me costura o retalho a outros três: minhas amigas Joyce e Juliana e "minha amiga Marina". Não sei bem ao certo como tudo começou. Sei apenas que no início, antes do verbo, fizeram-se os quatro primeiros retalhos, que depois a prosa costurou. Um deles sou eu mesma, quem fala. "- Muito prazer, Polyana. A mais nova dos retalhos, ainda aprendendo a coser".


Era ainda mais nova, quando me deparei com os dois primeiros retalhos no meu primeiro trabalho. Lá estavam Joyce e Juliana. A aparente distância da chefia logo cedeu à prosa e a todos os pontos que ela veio costurar. Numa mão, a palavra, que enredou e perpassou entrelaçando os tecidos de nossas vidas. Na outra, o tempo, que sereno se encarregou das golas e decotes, dos cortes e recortes, crochês e pontos de cruz.

Da Jota, o primeiro traço foi a alegria, que sorrateira e insistente me soltou as pregas. Na trama da amizade, seguiram-se o companheirismo e a sinceridade. E lá estava estava aquele belo retalho, presente na minha primeira grande viagem. Da alegria fui a outras pontas: o silêncio modesto e atento e o espírito irreverente. E agora, depois de muita costura, alcanço nela o traçado da simplicidade, em que tem se inspirado o meu tecer.

Veio da Jota a linha da admiração, que me atou à Juliana. Juca primeiro me bordou o retalho com suas experiências e bons conselhos, que me encorajaram o seguir adiante, sobretudo, o não subestimar do tempo, dos sonhos e dons. Rebordou-me a Juca com reflexão e sensibilidade. Alinhavou-me com doçura. E, depois de emendar pontos e mais pontos em comum, revelou a amizade que nossos retalhos tem o mesmo feitio, o que é para mim imenso orgulho.

Deu a Jota também a linha para a "minha amiga Marina", que exatamente assim me veiode presente daquela amiga. De Marina vi primeiro a graça aberta, que me cavou o riso. Vejo agora a soltura para a vida, que me afrouxa os botões. Vejo também a percepção apurada, que ligeiro e direto chega ao ponto, e a melancolia sincera, que sutil me mostra meus avessos. É por isso que sei que essa amizade há pouco iniciada dará, fio a fio, muito pano pra manga.

Acerta, colega, quando suspeita que o tecer é aqui mera ou meta figura. As "mocinhas" deste tempo já não se reúnem em gabinetes de costura. É à volta das mesas de bares, e agora lares, que embalamos às altas horas a boa prosa. O rocar dos teares deu lugar à palavra, seja ela altiva, baixinha, curta, demorada, pensada, impensada, sentida, sofrida, risada ou da boca pra fora. A roda e a costura é que continuam as mesmas, emendando e remendando o viver.

Se pensa que este blog é o alargar da roda e dos remendos, acerta novamente. As "mocinhas" deste tempo fazem alçar vôo a costura ao espaço virtual. Sinta-se bem-vindo nesta nova roda, como se junto de nós estivesse, no tear ou na mesa do bar ou do lar. A boa prosa pede apenas três coisas: ouvido apurado, mente livre e fala solta. E a prosa amiga pede apenas duas coisas: leve um pouco dos nossos e nos deixe um pouco dos seus retalhos.                  

                                                                                               [Poly Jeha]

                                    

segunda-feira, 10 de maio de 2010

SOLTANDO CACHORROS

(Homenagem a Adélia Prado. E a minha mãe)
 
... “quanto mais velha, mais perto de Deus, cujo lugar é o princípio”...

E eu sempre às voltas com a justiça... desde pequena, virou profissão. E inevitavelmente, desilusões. Que ora não vêem ao caso, mas idéias não escolho, surgem.

E através de Adélia, refleti: por que, ao assistir a um episódio violento sobre a vida dos animais (por exemplo), não surge em meu peito qualquer sentimento indignado? Por que uma fatalidade também não gera essa agonia, só tristeza genuína?

De onde vem este agoniado sentimento de (in) justiça? Ah... Das coisas humanas criadas (ou mal criadas). Sentido ao ver criança passar fome (de comida ou de amor), ao compreender as razões de uma guerra ou da violência nas cidades e nos campos.

Sentido quando penso em quanto uma faxineira ganha e imagino o que ela deve ter que fazer para sustentar seus quatro filhos. Quando penso em como a miséria brutaliza. Indivíduos e sociedades inteiras.

Vem então o aperto. Por mais voltas dadas, por mais justificativas e defesas criadas em volta de mim, ele volta. Sempre.

Sempre que o triste é criado pelo homem. Triste puro é uma coisa, triste injusto é outra bem diferente.

Justiça é concepção humana. Criada para tentar consertar nosso desconserto. E Deus não tem nada a ver com essas nossas tristezas criadas.

Religiões, tirem ELE disso, por favor!

Mas se o SEU lugar é o princípio, por que não retornar ao coração da criança que fomos ou ao profundo da nossa alma? Aos princípios que conhecemos? Mas que seja honestamente.

Retornou a agonia? Talvez dela nasça a legitimidade, caminho para a justiça, também princípio e, paradoxalmente, lugar de Deus. [Juliana]