Nos idos da década de 70, lá pelos meus 15 anos, nutri uma paixão platônica por um vizinho meu, irmão mais velho de uma amiga, já universitário, e por uma única razão: ele se parecia com o Chico Buarque. Ele, é lógico, nunca me deu a atenção que eu queria, mas meu coração batia forte quando o rapaz se dignava a conversar um pouquinho conosco, na verdade tentando fazer nossa cabeça para que trocássemos de ídolo: do John Travolta para Che Guevara.
Isso o fazia ainda mais parecido com o Chico, o que só aumentava meus suspiros não correspondidos. Naquela ocasião, devo confessar que o nosso ato mais heróico foi o de pixar o nome do Geraldo Vandré, com pedaços de tijolo, no muro do grupo escolar em frente da nossa casa; e ficar admirando nossa coragem, até que a chuva apagasse todos os rastros da tímida atitude revolucionária.
Procê ver de que é capaz o amor, mesmo o platônico (ou principalmente ele).
E, veja bem, meu amor platônico alcançava distâncias quilométricas, saía de Itabira e atingia o Rio de Janeiro, quiçá Itália ou outro lugar qualquer, para onde o Chico se auto-exilava, na época da ditadura. Foi o Chico quem moldou minhas primeiras opções políticas: e depois, por certo, embalou meus primeiros amores perdidos.
E eu havia me esquecido do Chico.
Na década de 80, quando iniciei a faculdade, não se falava do Chico. Nós gostávamos mesmo era do rock’n roll do Cazuza, Paralamas, Lobão, Renato Russo, Marina Lima, Titãs: rock urbano, geração coca-cola, pós-ditadura – a gente não queria só comida, a gente queria comida, diversão e arte. E não estava mais nem aí para caminhar e cantar e seguir a canção.
Isso até outro dia, quando, fazendo aula de Pilates, em minha constante luta contra a dor nas costas, eu escutei o Chico de novo. Estava tocando Construção.
Foi um revival de paixão. Ai. Afinal, eu não tinha esquecido o Chico. Ele voltou, com tudo, reavivado pelo canto da sereia. Ou seria do sereio?
Daí, fui logo perguntando pra minha professora, que tem apenas 29 aninhos, se ela gostava do Chico. E ela gostava. E de pergunta em pergunta, durante uma semana, a mulheres dos 20 aos 60, a resposta, com raras exceções, era sempre a mesma. Ai!!!!
É por isso que até a mãe do Lobão, que segundo ele era da Arena, amava o Chico. E aqui eu abro um parêntese para dizer pro Lobão que o Chico fazia canções subversivas sim, que embalaram toda uma geração de esquerda, mas para uma mulher, mesmo sendo a sua mãe, mesmo sendo da Arena, era impossível não amar o Chico.
E, como diz o Caetano, o Lobão tem razão. O Chico era (e é) o namoradinho do Brasil. Ao contrário do Lobão, que é o lobo mau que toda mulher quer conquistar, domesticar e transformar... no Chico.
E porque o Chico é o namoradinho do Brasil?
Não é porque ele é lindo, porque lindo ele não é. Ele é charmoso, encantador, mas lindos mesmo são Marlon Brando, Robert Redford, Paul Newman, Brad Pitt. O Chico é só bonitinho.
Seria então porque ele é um grande poeta? Acho que não. Há muitos outros, mas ninguém quer namorar com eles.
Será aquele jeito meio gago de se expressar, cercado de incertezas, que o torna pouco falante? Ou serão seus tristes olhos azuis? Deep blue eyes, como os de Carolina, canção na qual, diga-se de passagem, o Lobão não é muito chegado.
Não se pode negar que há também nele uma certa nobreza, é só nos lembrarmos do seu nome, Francisco Buarque de Hollanda, o que talvez nos remeta a um cavalheirismo que a gente já não viveu, mas do qual sente saudades atávicas.
Eu acho que o que acontece é que o Chico é uma soma feliz de tudo isso: é bonitinho, é um grande poeta (embora ele ache que não, o que o deixa ainda mais bonitinho), tem olhos azuis (ou verdes?), é tímido, meio gago, indeciso, mas definitivo quando compõe. Absolutamente certeiro. Que o diga a música Construção.
E, mais importante, é só isso o que sabemos dele. Porque nenhuma mulher conhece o Chico. Ele é uma fantasia que pertence ao imaginário feminino, é mito. O Chico real, ex da Marieta Severo, ninguém conhece, além dela. E talvez por isso mesmo ela seja uma das poucas mulheres que não quer beijar o Chico.
Mas o mito, todas nós queremos. Aquele homem bacana, poeta, charmoso, inteligente, que quer levar a moça pra casa, que perde a noção da hora, que não tinha nascido no tempo da maldade, que planeja uma caçada boa pro caçador e pra caça e que, finalmente, quer nos levar, encantado, pro tempo de delicadeza, esse é o nosso homem ideal e impossível.
Mas que podemos levar pra debaixo dos nossos lençóis em época de fantasia escassa. [Marina Procópio]
Procê ver de que é capaz o amor, mesmo o platônico (ou principalmente ele).
E, veja bem, meu amor platônico alcançava distâncias quilométricas, saía de Itabira e atingia o Rio de Janeiro, quiçá Itália ou outro lugar qualquer, para onde o Chico se auto-exilava, na época da ditadura. Foi o Chico quem moldou minhas primeiras opções políticas: e depois, por certo, embalou meus primeiros amores perdidos.
E eu havia me esquecido do Chico.
Na década de 80, quando iniciei a faculdade, não se falava do Chico. Nós gostávamos mesmo era do rock’n roll do Cazuza, Paralamas, Lobão, Renato Russo, Marina Lima, Titãs: rock urbano, geração coca-cola, pós-ditadura – a gente não queria só comida, a gente queria comida, diversão e arte. E não estava mais nem aí para caminhar e cantar e seguir a canção.
Isso até outro dia, quando, fazendo aula de Pilates, em minha constante luta contra a dor nas costas, eu escutei o Chico de novo. Estava tocando Construção.
Foi um revival de paixão. Ai. Afinal, eu não tinha esquecido o Chico. Ele voltou, com tudo, reavivado pelo canto da sereia. Ou seria do sereio?
Daí, fui logo perguntando pra minha professora, que tem apenas 29 aninhos, se ela gostava do Chico. E ela gostava. E de pergunta em pergunta, durante uma semana, a mulheres dos 20 aos 60, a resposta, com raras exceções, era sempre a mesma. Ai!!!!
É por isso que até a mãe do Lobão, que segundo ele era da Arena, amava o Chico. E aqui eu abro um parêntese para dizer pro Lobão que o Chico fazia canções subversivas sim, que embalaram toda uma geração de esquerda, mas para uma mulher, mesmo sendo a sua mãe, mesmo sendo da Arena, era impossível não amar o Chico.
E, como diz o Caetano, o Lobão tem razão. O Chico era (e é) o namoradinho do Brasil. Ao contrário do Lobão, que é o lobo mau que toda mulher quer conquistar, domesticar e transformar... no Chico.
E porque o Chico é o namoradinho do Brasil?
Não é porque ele é lindo, porque lindo ele não é. Ele é charmoso, encantador, mas lindos mesmo são Marlon Brando, Robert Redford, Paul Newman, Brad Pitt. O Chico é só bonitinho.
Seria então porque ele é um grande poeta? Acho que não. Há muitos outros, mas ninguém quer namorar com eles.
Será aquele jeito meio gago de se expressar, cercado de incertezas, que o torna pouco falante? Ou serão seus tristes olhos azuis? Deep blue eyes, como os de Carolina, canção na qual, diga-se de passagem, o Lobão não é muito chegado.
Não se pode negar que há também nele uma certa nobreza, é só nos lembrarmos do seu nome, Francisco Buarque de Hollanda, o que talvez nos remeta a um cavalheirismo que a gente já não viveu, mas do qual sente saudades atávicas.
Eu acho que o que acontece é que o Chico é uma soma feliz de tudo isso: é bonitinho, é um grande poeta (embora ele ache que não, o que o deixa ainda mais bonitinho), tem olhos azuis (ou verdes?), é tímido, meio gago, indeciso, mas definitivo quando compõe. Absolutamente certeiro. Que o diga a música Construção.
E, mais importante, é só isso o que sabemos dele. Porque nenhuma mulher conhece o Chico. Ele é uma fantasia que pertence ao imaginário feminino, é mito. O Chico real, ex da Marieta Severo, ninguém conhece, além dela. E talvez por isso mesmo ela seja uma das poucas mulheres que não quer beijar o Chico.
Mas o mito, todas nós queremos. Aquele homem bacana, poeta, charmoso, inteligente, que quer levar a moça pra casa, que perde a noção da hora, que não tinha nascido no tempo da maldade, que planeja uma caçada boa pro caçador e pra caça e que, finalmente, quer nos levar, encantado, pro tempo de delicadeza, esse é o nosso homem ideal e impossível.
Mas que podemos levar pra debaixo dos nossos lençóis em época de fantasia escassa. [Marina Procópio]