segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O PAÍS DA MALANDRAGEM


É uma vez um tal Dom. João 2, velho esperto, põe seu bando pra rodar. E acha logo terra nova, boa pra grilar. Mas a onda se espalha. E a patota vizinha vai de quebra. Bota logo seu Colombo pra navegar. Dom descobre a trama. Mas não quer arranca rabo. Propõe parceria e racha a área com os espanos. Só que ele quer mais um pouquinho. Resolve então dar um jeitinho. Propina o papa. E estica pra esquerda sua metade direita do mapa. Nisso aí surrupia o melhor produto. Com expedição de fachada, domina o fruto. Padre, colono e escrevente. Berro, papel e caneta. Na moral, agora é legal. Tudo no nome de Portugal.

Pr’ocupar o ponto, Dom manda a gangue. Sangue do sangue. Bons de bico e bons de briga. Crocodilar os donos do lugar. Lero de padre, cacete ou corrente. O negócio é dominar. Açúcar, ouro ou diamante. Tirar o que dá. De tanto dar no trampo, os índios dão pra afrouxar. E a onda vira os pretos, que vêm com os traficas no cabresto, sem poder negar. A boca vai bem, mas de longe Dom manda o recado. Exige o preço e sobe o bicho. E os colonos começam a sonegar. Os pretos também pedem pagamento, que vem a pau e chicote. É aí que eles aprendem que ganhar é depenar. E o cano vira regra, nesse tumulto de lugar.

Apertado pelo bando, o Dom daqui pressiona o de lá, que resolve liberar. A tramóia vira país, pronto pra estourar. Mas a carne é pouca e urubu é muito. Todo mundo querendo tirar. Coisa pública vira negócio e negócio sério exceção. Passa tempo e vem o nó. E Isabel tenta aliviar. Os pretos agradecem, mal sabendo da armação. “Dona Fulô, seu lugar inda é cozinha. Mas pra dormir, subir ladeira e bater lajão. Ô nego, também tá sem opção. É pegar ou largar. Construção, samba ou confusão”. Cá embaixo ou lá no morro, vai crescendo a ladroagem. E bacana romantiza, dizendo que é malandragem.

Como canta o brother Gerson, a parada é a vantagem. Pro Nabuco, da Pedreira, é o bagulho e o trabuco. Em Brasília, o Hiderlindo vai de voto e parceria. Seu Zé Pedro, lá da Ilha, é mais valia e nota fria. E o Joãozinho, muito esperto, logo aprende a lição. Frita a tia, janta a aula e vai chapar lá no Morrão. Só que a grana um dia acaba. E o lance é dar de Dom. Pro sinal desce o Joãozinho, o calibre é três oitão. Seu Zé Pedro é quem samba, e vai correndo pro polícia. Mas o polícia é da boca, do Nabuco e da missão. O que sobra é o colega da santa repartição. Mas, com grana e trampo certo, negócio dele é morcegação. Seu Zé Pedro lembra então da última eleição. Já era, cidadão. O seu voto é do Hiderlindo. O ramo dele é corrupção. E assim continua a sacanagem. Cada um por si e o diabo por todos, no país da malandragem.




[Poly Jeha]




sábado, 3 de setembro de 2011

ESNOBES



Pretendem-se sinônimos da elegância. Ouso discordar.

Afinal, há algo além da roupa cara, sua jóia complementar e o bom perfume. Que, aliás, para ser bom precisa ser importado. Afinal, fragrâncias nacionais jamais atingem o glamour estrangeiro...
Mais que o gosto, vale a inacessibilidade.

Regras e preferências à mesa são bons exemplos. O popular (acessível), exceto se “customizado” (e mesmo assim, a depender da tendência do momento), não é “elegante” jamais.

Mas o melhor está nas palavras: negro, pobre, subdesenvolvido, prostituta transformados, pela “etiqueta”, em afro-descendente, menos favorecido, “em desenvolvimento” e “acompanhante eventual”.
Tenham dó!
Assusta o fato de que os conteúdos e as suas implicações concretas não mudam. Mas (e apenas) o leiaute sim.

Inclusive, locução e ofício do “politicamente correto” em si já são suficientemente duvidosos para concluir que o conceito para mais nada serve além de encobrir preconceitos e tentar escondê-los até dos seus próprios perpetuadores, assim, dissimulados de “elegantes”.

Acontece que elegância e ética não são concepções dissonantes, mas complementares. Ser elegante é não jogar lixo na rua. É não parar em fila dupla e respeitar as regras de trânsito. É ser educado com todos aqueles que ocupam escalas hierárquicas superiores e inferiores (sobretudo) do seu ambiente de trabalho. É parar o seu caríssimo carro para uma mãe, com o bebê no colo, atravessar a rua, na faixa de pedestre, cuja preferência é sua.

Aos elegantes demais para seguir regras de convivência – que nada mais são do que tratar também aos “deselegantes” com respeito e educação: este princípio simples supera a elegância daqueles que tanto admiram a limpeza das praças européias, mas não catam o cocô que o seu cachorro faz na calçada da frente da sua própria casa.

Aliás, sobre elegância, apenas o fundamental: tratar o outro, seja quem ele for, como gostaria de ser tratado, diz, sobre si, elegantemente, muito mais que qualquer acesso a roupas, jóias, perfumes, carros, comidas e palavras.
[Juliana]

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

VELHAS AMIGAS DE SEMPRE

19 de agosto de 2011, uma sexta-feira normal. Nada de feriados, nada de férias. Aeroporto de Confins (BHZ), 7 da noite e 10 mulheres diferentes de malas prontas. Umas deixavam pra trás seus maridos, outras seus noivos, outras seus escritórios, outras suas clínicas... Mulheres infelizes, dando uma reviravolta na vida? Executivas voltando exaustas pra casa? Um time de futebol feminino? Não. A alegria e a risaiada contagiantes não deixavam dúvidas. Éramos um bando de amigas, eufóricas por viajarmos todas juntas novamente, após uma longa pausa de 8 anos.

Desta vez o destino era a Cidade Maravilhosa. O motivo da viagem? Despedida de solteiro da Duda, uma das amigas. Em menos de uma semana da ideia, todas as passagens já estavam compradas. Aos companheiros restou recomendar sobre os perigos do Rio e, quando não apoiar de coração a ideia, ao menos desejar uma boa viagem. Se o segurança do Santos Dumont sentiu medo ou vergonha alheia, não sabemos nem saberemos. Mas foi o passante que acabou tirando orgulhoso a foto, ao saber que aquele momento entraria pra posteridade: toda a Mulherada abraçada com a imagem do Pão de Açúcar ao fundo. A chegada já mostrava a que íamos.

Nossa primeira noite foi na Lapa, bairro boêmio frequentado por pessoas variadíssimas, gostos variadíssimos, num à vontade bem carioca. Ocasião mais que propícia pra estrear algo que eu vinha guardando a sete chaves: uma bela peruca black-power loira, que, acompanhada de um lenço de oncinha que eu lhe taquei em volta e de um vestidinho preto de algodão, ficou até parecendo meio extravagância, meio verdade. Muitos risos, fotos engraçadas e um presente valoroso. A peruca me deu pra sempre um personagem antológico, um alterego daqueles, que veio pra ficar: a Kátia.

O sábado foi, ou pelo menos era pra ser, de praia. Não sabemos se por força da nossa mineirice, de azar mesmo ou de praga dos companheiros, o tempo, em bom carioquês, “virou”. O azul do céu e do mar deu lugar a nuvens cinzentas, carregadíssimas, que vieram rapidinho parar em cima de nossas cabeças. Pegas de surpresa pelos chuviscos, o Rio foi de 40° pra 16° num piscar de olhos, e nossos biquininhos bem brasileiros deram lugar a verdadeiras burcas, que improvisamos com nossas cangas para conseguirmos sair das areias de Ipanema.

O tempo horroroso insistiu. E junto com o último capítulo da novela das 8 formou um coquetel explosivo de qualquer noite bombante. Eu, que a uns bons anos deixei de ser noveleira, cuidei de profetizar que “novelas são um atraso de vida”. Mas como prevaleceu a voz do povo, nem sempre a voz de Deus, o último capítulo de Insensato Coração veio literalmente atrasar nossa vida. Ao invés de chegarmos na “Praia”, a boate da vez, às 10 da noite, acabamos chegando à meia noite. Resultado: não conseguimos entrar (o lugar já estava lotado), nossa carruagem se transformou em abóbora, e o vendedor de chicletes, Diogo, um baixinho meio jeca e de óculos, virou nosso príncipe encantado por causa de seu, quem diria, guarda-chuva!

Para aqueles que não assistiram novela, a noite foi boa. Para o Diogo, também. Pra quem já ia pra casa por causa da chuva, nada mal ver-se de repente cercado por 10 mineirinhas lindas, que acabaram comprando quase todos os seus chicletes. A nossa noite? Ah, terminou em pizza, como não poderia deixar de ser! Só que de camarão, no Leblon, regada a vinho, muitos risos e, depois, no apartamento, a muito tricô, bem à moda feminina, até as 4 da manhã. Sinceramente, achei que a mudança acabou sendo pra melhor, prova de que há mesmo males que vêm pra bem.

No domingo, apesar da insistência dos 16°, conseguimos reverter a situação já no café-da-manhã. Nosso dia começou ao meio-dia, no Astor, com Bellinis, Guanabaras, muito espumante rosé, pratos deliciosos e, mais uma vez, alegria pra dar e vender. Da mesa ao lado, três senhores por volta dos 60 perguntaram nossa idade, ao que Marina respondeu com muito orgulho: “todas por volta dos 30”. Ao saírem, eles se dirigiram até nós com muita elegância: “Parabéns. Não daríamos pra vocês mais do que 16”. Parte dos 16, é claro, veio da gentileza dos senhores. A outra parte, queremos acreditar, veio da nossa jovialidade mesmo, a do físico e, talvez ainda mais, do espírito.

A noite de domingo veio pra fechar a viagem com chave de diamante. Na Zozô, com feijoada e um batuque bem carioca, vindo direto do Morro da Mangueira, a Mulherada caiu no samba. Em pouco tempo, todos ficaram sabendo a que fomos, e uma música foi especialmente dedicada à despedida. A Mulherada dançou de roda, se abraçou, pulou, bateu palma, fez trenzinho e os passinhos mais ridículos que podia, numa animação que contagiou o lugar. Os olhares eram de admiração: “essas aí sabem ser felizes!”.

Dentro de três horas, já estávamos na fila do check-in, em plena manhã de segunda-feira, mortas de cansaço. Mas era um cansaço diferente. Algumas horinhas de sono e já estaríamos prontas pra matar os 10 leões da semana, que agora podiam vir em 20, 30, quantos fossem. Os ânimos foram renovados, estavam cheios dos bons momentos do fim de semana, dos efeitos da alegria, do riso, da festa e, mais que tudo, da amizade. Uma amizade de anos, de muitos anos, simplesmente a metade dos anos das nossas vidas. Finalmente, havíamos conseguido viajar juntas de novo. Dormimos juntas, acordamos juntas, rimos juntas, conversamos muito e celebramos a vida, como fizemos sempre. Eu e minhas velhas amigas, minhas velhas amigas de sempre...


[meio Kátia, meio Poly Jeha]