terça-feira, 19 de abril de 2011

UM PAULISTA E UM ALEMÃO NO NORTE DE MINAS

Este texto é de humor e pura ficção. É mera coincidência qualquer semelhança com fatos reais.

Um paulista e um descendente de alemão, tão logo conseguiram sua sonhada aprovação num concurso público, foram imediatamente designados para duas cidades no extremo norte de Minas, ambas a pelo menos 700km de BH, ou seja, a pelo menos 10 horas-luz da capital. Obviamente, antes dos demais colegas, paulista e alemão tiveram que se despedir das famílias, namoradas e amigos, arrumar as malas e os possantes recém-adquiridos. Pra melhor vencerem as possíveis desventuras do caminho, decidiram viajar em comboio.

De motores novinhos em folha e muita ansiedade, os jovens empossados encararam as centenas de curvas e buracos da "Rodovia da Morte" (BR-381) e, depois, a estreita e não menos cheia de curvas BR-116. Foi no início da BR-116, logo após Governador Valadares, que a árdua função pública resolveu mostrar a que veio. Um Fiat Uno azul prata, com placa de uma das prefeituras das cidades de destino, começou a grudar, cortar, costurar e avançar sobre os seus carros pela estrada afora, numa direção que arriscou por inúmeras vezes o patrimônio público, pra não falar da vida dos motoristas. Não bastasse, o chofer veio ainda retardar o cumprimento da atividade pública numa parada um tanto quanto suspeita, para dar carona a duas senhoras das mais espalhafatosas, vestidas de onças curtíssimas e rostos pintados em um vermelho vivíssimo.

Na segunda parte da estrada, a paisagem ajudou distraindo. Perto de Teófilo Otoni, para compensar a subida dos termômetros para mais de 35°, veio uma bela cadeia de montanhas rochosas em forma de meias laranjas viradas pro chão, uma em formato de boca, umas em formato de mão fechada, a outra tinha no centro um... sei lá... melhor deixar pra lá. Empolgados com o panorama, resolveram encostar o carro pra tirar umas fotos.


Por: Matheus Carneiro.

O alemão, o primeiro a sair do carro, não teve tempo nem para posicionar sua câmera. Sua alva cútis de pêssego foi atacada por uma dezena de moscas zumbideiras atrapalhadas, umas na orelha, outras no pescoço e umas dentro da camisa. O que veio depois foi a corrida pros carros, além de uma meia hora dividida entre o dirigir e o expulsar do carro as dezenas de moscas que se convidaram para uma rodada naqueles convidativos possantes.

Foi o paulista o primeiro a chegar a seu destino, suado e meio zonzo de calor. Mas as mocinhas discretas da cidade não se importaram. Das janelas ou calçadas, todas de fuxicos e algumas de "celular fotográfico" na mão, elas viram entrar pela cidade o novo cidadão, paulista e solteiro, a confirmação viva da notícia que havia se espalhado na cidade no fim da semana. Aliás, "espera mais um tiquinho...". Elas mal puderam acreditar que ele era, além de paulista, um jiujiteiro típico, de corpo todo tatuado. Lembraram na hora do que há muito se dizia por lá: "bem-aventuradas as que esperam, pois delas será o paraíso". Pena que as moçoilas teriam que esperar mais um pouquinho. Esperar, no mínimo, pelo próximo forasteiro. Como elas depois saberiam, aquele já tinha uma namorada, made in SP.


Por: Pedro Hauck.
 
O alemão, que seguiu sozinho mais pro norte e passava do suar pro assar e do assar pro fritar, chegou em sua cidade mais parecendo um camarão. Um camarão do sertão! Mas as mocinhas da cidade pouco se importaram com a aparência esturricada do forasteiro: "- Boa tarde. Por favor, por acaso vocês sabem onde fica a Pensão da Dona Zefa? - Fica ali em riba, uns dois quarteirões daqui", responderam as mocinhas. Pois é. Foi na Pensão de Dona Zefa mesmo, a única da cidade, sem internet, mas com boa comida e muita cortesia, que o novo cidadão se hospedou pelas primeiras semanas até conseguir, com muito custo, arrumar um apartamento raozável pra ficar.

É... Concursos públicos têm dessas coisas. Levam as pessoas assim, profissão afora, mundo afora, vida afora. Apesar dos sustos do início, os dois conseguiram, enfim, fazer daquelas cidades o seu novo lar. "Agora se sentem em casa com o povo humilde, alegre e acolhedor daquele lugar, que não vão esquecer nunca mais". Foi o que me disseram o paulista e o alemão...
 [Poly Jeha]

quarta-feira, 13 de abril de 2011

SUCESSO



Sinônimo e conseqüência da maneira econômica que nós, humanos, criamos para nos relacionar com as riquezas do mundo e com nossos semelhantes: capitalismo.
Maneira que se imiscuiu em tudo, até nas mais íntimas relações entre as pessoas.
Aos meus sentidos a concepção é, sobretudo, paradoxal.
Afinal, um sistema que exclui de suas benesses 2/3 da população que hoje vive sobre a terra e coloca em risco a sobrevivência da própria espécie que o criou precisa, no mínimo, ser observado com cautela.

No tempo da juventude, cada vez mais velhos.
No tempo dos magros, cada vez mais obesos.
No tempo da riqueza, cada vez mais pobres.
No tempo da bioquímica, cada vez mais deprimidos.
No tempo do barulho, cada vez menos qualidade.
No tempo dos excessos, cada vez mais faltas.
No tempo da informação, cada vez mais medo.
No tempo das diferenças, cada vez mais preconceitos.
No tempo do ter, cada vez menos ser.
No tempo do sucesso, cada vez mais pessoas vivendo à margem do que quer que isso possa significar.

Não satisfeito, o desrespeito agrava-se:

Aos velhos, a dor de não serem mais necessários.
Aos gordinhos e gordões, a infelicidade de ser visto, tão-somente.
Aos pobres, a ilusão de necessidades tão pouco essenciais.
Aos deprimidos, a insuficiência médica.
Ao silêncio, menos espaço.
Às faltas, maior intensidade.
Aos medos, ausência de soluções.
Aos preconceitos, dissimulação.
Aos seres, coisas.

Dos que vivemos à margem, esperança de alternativa.

Um pouco de humanidade não seria ruim.

[Juliana]


quarta-feira, 6 de abril de 2011

RETIDO NA FONTE


IRPF 2011: Não há mais como adiar.
Programa instalado. Começo a lançar os dados solicitados. Torço para que, pelo menos, ao final, haja generosa restituição!
Vã esperança? Pensamento positivo! Vamos lá!
Novo design! É a Receita Federal modernizando-se e se infiltrando cada vez mais em nossas vidas! Nada lhe escapará?!
Mas... Precisava estar logo no início, o seu campo mais aborrecido? O valor retido na fonte? Por que não colocá-lo lá, no finalzinho? Na última tela?
Já de cara tenho a noção exata do quanto deixei de receber.
Durante todo o ano passo rapidamente os olhos pelo campo “IR-Retenção” do meu contra-cheque. Para ser sincera: prefiro ignorá-lo!
Mas, hoje, ignorar é impossível. Cada número digitado é uma punhalada no peito.
Sem choro e sem ranger de dentes (ou com eles), lá se foi um bom naco do meu salário!
Fazendo cálculos: dividindo minha renda bruta do ano pelos seus 365 dias, o valor equivalente a 66 dias ficou retido na fonte. Trabalhei mais de dois meses sem receber nadinha!
Na tentativa de amenizar o grande vazio que a quantia retida deixa em mim e sem dramas: ela será muito bem empregada!
Políticas sociais. Serviços públicos. Infra estrutura. Ordem e Progresso.
Inútil! Não me consolo! Concluo que, apesar da minha involuntária, mas magnânima contribuição, se quiser ter uma vida sem grandes aporrinhações terei que, eu mesma, arcar com escolas particulares, planos de saúde, empresas de vigilância, transporte particular, planos de habitação, etc, etc, etc...
Sou obrigada a reformular a frase acima: o vazio que sinto não é grande. É descomunal, imenso, imensurável, colossal!
Estou bastante irritada! E só uma gorda restituição me acalmará!
Vamos lá! Ela virá...
Novos campos: Dependentes, não, não tenho; alimentandos, tampouco; despesas com instrução, não mais; médicos, dentistas, fonoaudiólogos, nada disso (graças aos céus gozo, ainda, de perfeita saúde); parcos investimentos; nenhum rendimento acumulado.
Pronto! Nada mais a acrescentar.
Vejamos... Restituição... Quanto? Quanto? Quanto?
R$ 0,62. (Pensando bem, um psiquiatra agora não seria de todo mal!)
Nada mais a declarar! [J.]