segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

NATAL


Uma mãe gentil e criativa. Uma avó costureira. Um pai corajoso. Uma família que, inteira, estabeleceu emocionante e amorosa tradição.


Marataízes/ES, 1973:
Um ano e quatro meses: Juliana vê, pela primeira vez, através do buraquinho de vidro da porta branca, o rosto do Papai Noel. Chora...


Barbacena/MG, 1980:
Seis anos e quatro meses: Patrícia diz que “o sapato do Papai Noel é igual ao sapato do papai!!!”.


Barbacena/MG, 1981:
Cinco anos e oito meses: Flávia junta todos os restinhos de perfumes e desodorantes da casa da vovó. Coloca em um vidrinho e amarra com fitinhas: dá de presente ao Papai Noel, para que fique bem cheirosinho!!!


Barbacena/MG 1985:
Quatro anos e três meses: Paula amarra inúmeros canudinhos e dá de presente ao Papai Noel: “é para não sujar sua barba tão branquinha !!!”.


Barbacena/MG, 1995:
Três anos: Gustavo diz, referindo-se aos reais olhos negros do Papai Noel que visitava sua família: “o olho do papai Noel é azulzinho como o seu, Cacá...”.


Belo Horizonte/MG, 2009:
Seis meses: Heitor vê, pela primeira vez, na casa da sua vovó, o Papai Noel. Chora...


Belo Horizonte/MG, 2010:
Trinta e oito anos: Juliana se recorda das suas histórias de Natal.


* Ao Papai e à Mamãe Noel de vinte e seis anos, hoje avós. E à vovó.

[Juliana]

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

MORRER DE AMOR!

Em agradecimento aos inesquecíveis professores e colegas do curso "A Arte de Contar Histórias" do Instituto Cultural Aletria, que me permitiram reentrar pela porte da frente no mundo mágico das histórias, e às palavras de incentivo do padrinho de nossa turma, nosso querido Olavo Romano, transcrevo o causo mineiro que, com "muito gosto", desfiei naquela inesquecível noite estrelada e musicada do dia 21/06/2010, da nossa "formatura":

Esse causo que eu vô contá pr'ocês agora, que acunteceu lá pras banda de Trás-os-Morros, eu pude acumpanhá de pertinho, porque se deu com o marido de Rosinha, minha mió amiga.

Faz coisa duns 80 ano, nasceu numa fazenda de gado daquelas grande da região um moleque que logo passou a ser chamado pela famia de Tavito. Tavito era daqueles menino danado de levado, artero que só veno! Aprontava com todo mundo. Como era mais esperto que os irmão e os amigo tudinho, conseguia deles tudo que queria. O pai, coitado, que mandava ele tomá conta dos bezerro pra tê o que fazê, ele enganava tamém. Ficava o dia intirim nadano com os amigo no rio ou veno as moça tomá banho e, na volta, se rolava em esterco de pasto pra chegá em casa fedeno a bicho e passá o véio pra trás.

Foi assim que Tavito cresceu. E num mudô nadinha de adulto. Cês sabem né, gente?! Pau que nasce torto nunca se endireita. Cum as muié da região, também fazia tudo enquanto era tipo de arte. Namorava umas aqui, outras ali. As moça toda duidinha quereno casá. E Tavito nada. Assim ele foi. Foi até conhecer Rosinha. Isso mesmo. Aquela minha amiga Rosinha que eu falei pr'ocês.

Ah... Rosinha era um primor de moça! Cabelo pretinho cumprido, olhos grandes amendoados, boca saliente, vestido florido e fita no cabelo. Foi Tavito vê Rosinha, que ele caiu de joelho e pediu a moça em casamento. E os dois casaro, gente. Foi um casamento bonito mesmo, daqueles de fazenda, e logo depois tivero três fio. Tavito era um marido muito amoroso com Rosinha. Levava alfazema, flores do campo, presenteava com vestido bonito, chamava de "meu anjo, anjo da minha vida"... E assim eles fôro viveno.

Mas cês sabem né, gente!? Pau que nasce torto nunca se endireita. Passado uns ano, Tavito começô a arrumá uma namorada aqui e outra ali. Primero, teve coisa com a muié do Seu Tonico Fazendêro. E os amigo da venda alertaro: "Ômi, esse Seu Tonico é brabo. Um dia desses te mete uma faca nas venta e tu vai morrê assim, de morte matada". Tavito dava uma boa risada e logo emendava: "Morro não, ômi. Morrê, só se fô de amô". Depois foi a vez da muié do delegado. "Ômi, esse delegado é brabo demais! Dia desses te mete um tiro no peito e ocê num dá nem notícia. Vai acabá morreno assim, de morte matada". E Tavito gargalhava... "Morro não, ômi. Morrê, só se fô de amô". Por fim, passou a namorá a muié do padre. Cês acreditam, gente, que nem a muié do padre ele perduô? E os amigo: "Ômi, agora cê passô dos limite. Inté a muié do padre?! Cê vai morrê de praga e, ainda por cima, segue diretim pro inferno!". "Ha, ha, ha... Morro não, ômi. Morrê, só se fô de amô".

Assim ele siguiu. Tavito e Rosinha foro envelhecendo, criaro os fio tudo, depois viero os netinho... Até que um dia Rosinha caiu de cama. Uns diziam que era problema de coração, outros de respiração. Não se decidiam. Veio farmacêutico, veio padre, veio dotô e de tudo enquanto é gente da cidade, e nada. Rosinha foi ficando magrinha, tadinha, miudinha, até virá um fiapo. E Tavito lá. O tempo intirim. Num saía do lado de Rosinha. Recebia os dotô, as famias, as otra visita, tudo sozinho. Fazia questão. Nem durmi esse ômi durmia. Mas num adiantô. Em poco tempo Rosinha se foi, daquela morte morrida que é triste, que ninguém sabe por quê. Só veno.

Gente, e num é que Tavito logo depois caiu doente! As namorada mandava bilhete, e ele nem confiança. Os amigo da venda levava da mió cachaça, levava carta, levava prosa, e ele nada. As fia levava as quitanda quintinha e cherosa, que ele mais gostava, e ele nada. Num deu 1 meis pra esse ômi fechá os ói e dispidi da vida. Se foi. E foi mesmo.

Até hoje, pra quem chegue por aquelas banda perguntando de Tavito, o "menino danado de levado", vão dizê pr'ocês: "Morreu. Morreu, sim. E num foi nem de morte matada, nem de morte morrida. Morreu de amô".

[Poly Jeha]

PIMPÃO E O PODER DAS HISTÓRIAS

Compartilho com você um caro aprendizado, que lhe trago em forma de depoimento e, depois, apelo.

Entrar novamente no mundo do "era uma vez..." foi, pra mim, de certo modo, voltar a viver. Foi unir, como convida Machado em Dom Casmurro, esta e outras pontas à primeira ponta da minha vida: as deliciosas histórias entoadas por mamãe e minha vó Maria e, depois, as minhas aventuras de criança ao lado do meu ursinho Pimpão. Do aconchego das histórias da mãe e da vó, creio que você se recorda bem. Mas se você não se lembra do Ursinho Pimpão, canção que eu ainda bem pequenina ouvia incansáveis vezes da vitrola de meu pai ou do violão de meu avô e que, hoje eu sei, entoou minha infância e meu coração, aí vai:

"Vem meu ursinho querido
Meu companheirinho
Ursinho Pimpão

Vamos sonhar aventuras
Voar nas alturas
Da imaginação

Como na história em quadrinhos
Eu sou a Sininho
Você Peter Pan

Vamos fazer nossa festa
Brincar na floresta
Ursinho Tarzã

Enquanto o sono não vem
Eu sou Chapeuzinho
Você meu galã

Dança também (Pimpão)
Pelo salão (Pimpão)
É tão bonita, nossa canção

Manhã já vem (Pimpão)
Dorme Pimpão (Pimpão)
Urso folgado, não tem lição

Vem meu mocinho querido
Ator preferido
Da minha estação

Vou te sonhar colorido
Pegando bandido
Na televisão

Vamos deixar o cansaço
Dormir num abraço
Meu velho amigão

Não fique triste zangado
Se eu viro de lado
E te jogo no chão

Ah! Meu ursinho palhaço
Seu circo é um pedaço
Do meu coração

Dança também (Pimpão)
Pelo salão (Pimpão)
É tão bonita nossa canção

Manhã já vem (Pimpão)
Dorme Pimpão (Pimpão)
Urso folgado, não tem lição"

Pois é. Esse mundo que fica alhures, entre o real e o imaginário, entre o físico e o sonho e que era alimento pra minha mente e pra minha alma, infelizmente, há muito eu o havia deixado. Em grande parte, auxiliada pelo saber quase exclusivamente científico das escolas e faculdades, somados à insegurança e à necessidade de afirmação de uma adolescente no mundo.

Mas foi há mais ou menos uns três anos, quando começou a bater o cansaço de todos aqueles saberes pretenciosos e não tão verdadeiros assim, que esse mundo de histórias fez-se de novo música pros meus ouvidos. Ouvi. Deixei ouvir. E então me deixei levar. Sorte a minha, que conquistei de volta a minha própria história e, de quebra, o veludo das vozes da mãe e da avó, o brincar mais gostoso, as lições mais sábias e o meu - agora prometo - inseparável amigo, Ursinho Pimpão.

Fica aqui o meu pedido encarecido a mães, pais e avós: não deixem de contar histórias a seus filhos e netos. É por meio das vozes, olhares e gestos vindos do lar que as crianças se tornam íntimas desse universo do "era uma vez...", que depois os transporta com facilidade para os livros, os filmes, as outras formas de arte e de vida.

Não deixem que o saber científico ou mesmo filosófico ou religioso suplantem em nossas crianças a imaginação e a extrema liberdade que dela provém. Os saberes não se excluem, se complementam. E como bradava Emília, personagem encantadora de Lobato que personificava a imaginação: "Eu sou a independência ou morte!".

Também não percam, pais e avós, a oportunidade de ensinar com as histórias e, assim, dar vida nova aos tesouros da nossa cultura. Acreditem, contar histórias é talvez a forma mais eficiente de repassar o saber, já que, por meio delas, não só crianças mas também adultos aprendem brincando.

Por fim, não privem seus filhos e netos da expressão dos seus afetos por meio da palavra oral ou escrita, cujos primeiros passos estão nas histórias, porque ela é raiz do diálogo, do entendimento e da paz.

E viva o poder das histórias!!!
[Poly Jeha]

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

CANOA












Te soltei na água, canoa
Que graça que fiz
Pelo dedo dos outros
Não foi por um triz

Quero-te livre, canoa,
Vive, corre, nada e voa,
Olha pra trás e não chora
Sente a pena e se arvora

Que esse mar que eu te fiz só te sorri
Fadas e harpas, dóceis bichos ingênuos
Seres encantados, heróis inventados
Espadas sem ponta, ilusões sem conta

Vai e não volta, canoa
Se é pra morrer, morre feliz
Aqui dirão que é de papelão
Vão lacerar teu coração.

         
      De BH out/2006 pra MN out/2010
                      [Poly Jeha]