Em agradecimento aos inesquecíveis professores e colegas do curso "A Arte de Contar Histórias" do Instituto Cultural Aletria, que me permitiram reentrar pela porte da frente no mundo mágico das histórias, e às palavras de incentivo do padrinho de nossa turma, nosso querido Olavo Romano, transcrevo o causo mineiro que, com "muito gosto", desfiei naquela inesquecível noite estrelada e musicada do dia 21/06/2010, da nossa "formatura":
Esse causo que eu vô contá pr'ocês agora, que acunteceu lá pras banda de Trás-os-Morros, eu pude acumpanhá de pertinho, porque se deu com o marido de Rosinha, minha mió amiga.
Faz coisa duns 80 ano, nasceu numa fazenda de gado daquelas grande da região um moleque que logo passou a ser chamado pela famia de Tavito. Tavito era daqueles menino danado de levado, artero que só veno! Aprontava com todo mundo. Como era mais esperto que os irmão e os amigo tudinho, conseguia deles tudo que queria. O pai, coitado, que mandava ele tomá conta dos bezerro pra tê o que fazê, ele enganava tamém. Ficava o dia intirim nadano com os amigo no rio ou veno as moça tomá banho e, na volta, se rolava em esterco de pasto pra chegá em casa fedeno a bicho e passá o véio pra trás.
Foi assim que Tavito cresceu. E num mudô nadinha de adulto. Cês sabem né, gente?! Pau que nasce torto nunca se endireita. Cum as muié da região, também fazia tudo enquanto era tipo de arte. Namorava umas aqui, outras ali. As moça toda duidinha quereno casá. E Tavito nada. Assim ele foi. Foi até conhecer Rosinha. Isso mesmo. Aquela minha amiga Rosinha que eu falei pr'ocês.
Ah... Rosinha era um primor de moça! Cabelo pretinho cumprido, olhos grandes amendoados, boca saliente, vestido florido e fita no cabelo. Foi Tavito vê Rosinha, que ele caiu de joelho e pediu a moça em casamento. E os dois casaro, gente. Foi um casamento bonito mesmo, daqueles de fazenda, e logo depois tivero três fio. Tavito era um marido muito amoroso com Rosinha. Levava alfazema, flores do campo, presenteava com vestido bonito, chamava de "meu anjo, anjo da minha vida"... E assim eles fôro viveno.
Mas cês sabem né, gente!? Pau que nasce torto nunca se endireita. Passado uns ano, Tavito começô a arrumá uma namorada aqui e outra ali. Primero, teve coisa com a muié do Seu Tonico Fazendêro. E os amigo da venda alertaro: "Ômi, esse Seu Tonico é brabo. Um dia desses te mete uma faca nas venta e tu vai morrê assim, de morte matada". Tavito dava uma boa risada e logo emendava: "Morro não, ômi. Morrê, só se fô de amô". Depois foi a vez da muié do delegado. "Ômi, esse delegado é brabo demais! Dia desses te mete um tiro no peito e ocê num dá nem notícia. Vai acabá morreno assim, de morte matada". E Tavito gargalhava... "Morro não, ômi. Morrê, só se fô de amô". Por fim, passou a namorá a muié do padre. Cês acreditam, gente, que nem a muié do padre ele perduô? E os amigo: "Ômi, agora cê passô dos limite. Inté a muié do padre?! Cê vai morrê de praga e, ainda por cima, segue diretim pro inferno!". "Ha, ha, ha... Morro não, ômi. Morrê, só se fô de amô".
Assim ele siguiu. Tavito e Rosinha foro envelhecendo, criaro os fio tudo, depois viero os netinho... Até que um dia Rosinha caiu de cama. Uns diziam que era problema de coração, outros de respiração. Não se decidiam. Veio farmacêutico, veio padre, veio dotô e de tudo enquanto é gente da cidade, e nada. Rosinha foi ficando magrinha, tadinha, miudinha, até virá um fiapo. E Tavito lá. O tempo intirim. Num saía do lado de Rosinha. Recebia os dotô, as famias, as otra visita, tudo sozinho. Fazia questão. Nem durmi esse ômi durmia. Mas num adiantô. Em poco tempo Rosinha se foi, daquela morte morrida que é triste, que ninguém sabe por quê. Só veno.
Gente, e num é que Tavito logo depois caiu doente! As namorada mandava bilhete, e ele nem confiança. Os amigo da venda levava da mió cachaça, levava carta, levava prosa, e ele nada. As fia levava as quitanda quintinha e cherosa, que ele mais gostava, e ele nada. Num deu 1 meis pra esse ômi fechá os ói e dispidi da vida. Se foi. E foi mesmo.
Até hoje, pra quem chegue por aquelas banda perguntando de Tavito, o "menino danado de levado", vão dizê pr'ocês: "Morreu. Morreu, sim. E num foi nem de morte matada, nem de morte morrida. Morreu de amô".
[Poly Jeha]