segunda-feira, 2 de abril de 2012

COMO TUDO NA VIDA...



Já falei por aqui nunca ter me sentido subjugada à condição feminina até me tornar mãe. À época, a constatação era apenas isto. E veio pelo sentir.

Privilegiada em inúmeros sentidos, sabia que nós, mulheres, não tínhamos as mesmas liberdades masculinas. Mas para mim, a constatação ficara no racional. Afinal, tinha emprego estável, cargo de relativa liberdade e chefe mulher – profissional e mãe, o que me dava, hoje percebo, inúmeras vantagens pessoais enquanto subordinada sua.

Jamais havia me sentido cativa das diferenças sociais impostas aos gêneros. À parte a liberdade sexual – que é um questionamento feminino corriqueiro, mas que vai até determinada idade ou até determinada geração – sempre me sentira confortável como mulher: eu fazia o que queria.
Casei-me exclusivamente por amor – quando já havia, inclusive, me libertado da imposição social do casamento.

E então, virei mãe. Soube, de repente, que não possuía mais opções tão variadas. E compreendi os questionamentos todos que, até então, não haviam sido meus.

A nós, mulheres, não é dado o direito de abandonar o filho ou a família: filhos abandonados por homens, vemos aos milhares. O inverso é uma marca na sociedade e na alma.

Às mães, ao se desdobrar, cortadas, exauridas pelo parto, para amamentar e cuidar dos filhos não há elogios – isso não passa de obrigação.
Aos pais que trocam fraldas e ajudam a cuidar dos bebês, que homens! Afinal, eles executam a tarefa por ombridade...

Refletida já se encontra, portanto, a constatação do início deste texto. Triste eu não ter conseguido mudá-la.

Há alguns anos, nós, mulheres, não podíamos votar, trabalhar fora ou escolher qualquer carreira profissional que não fosse o magistério. Nossa função social resumia-se (resumia-se???) a cuidar da casa e dos filhos. Não tínhamos que nos preocupar em provê-la – responsabilidade masculina, exclusivamente.

A tradição, disse sabiamente meu pai certa vez, possui virtudes, como tudo na vida: ela dá o caminho a seguir. Este conforto a liberdade nos tirou.

Mudamos. Cansadas da opressão, buscamos independências. Hoje, somos mais livres para escolher como viver. Mas respondemos pelo ônus desta opção histórica – que até então era masculino.

Entretanto, não nos livramos do ônus decorrente da nossa feminina condição: ser boa dona de casa e ótima mãe. Além deles, recebemos outros, mais modernos: sermos lindas, gostosas e sempre bem dispostas. Como as musas da televisão – que nos prestam, além de lamentável e falso exemplo, o desfavor de nos tirar o então direito feminino ao recolhimento, às gordurinhas extras e aos mimos familiares.

Foi-se o tempo da minha avó, que ficou quarenta dias de resguardo, com as mulheres de sua família cuidando dela e do seu filhote. Foi-se o tempo das mulheres que não se preocupavam com a manutenção econômica da casa. Foram-se os bônus da condição feminina, perdidos no tempo que não é mais o nosso.

Chegou o tempo em que escolhemos e construímos nossa vida fora de casa. Chegou o tempo em que ganhamos dinheiro. Chegaram liberdades não tão livres assim, mas que assim nos são apresentadas. Chegaram masculinas responsabilidades.

Obrigações femininas das nossas avós, sem as vantagens que possuíram. Obrigações masculinas de nossos avôs, sem a liberdade que possuíram. Tempos modernos, é a isto que se resumem?  

Chego a pensar, em alguns momentos, que só não desejo voltar no tempo por compreender processos e acreditar (ainda) que podemos encontrar outras maneiras.  Todavia percebo: o mundo ficou mais pesado para nós.
Divisões entre gêneros nunca foram justas: tampouco o são agora.

Ó Cinderelas, escutai! Eles não foram tão felizes no final.

Talvez ele tenha sido um pouquinho mais.
[Juliana]